18 de abr. de 2011

Alegoria, Alegoria

Conceber um álbum que além de conter músicas, conte uma história e crie uma atmosfera surreal, própria. Algo que transcendesse a música e que se importasse com o apelo visual, estético. Vira e mexe aparecem boas obras com esse propósito: eis que surge para os imaginários mais excêntricos e ecléticos o cabaré pós-apocalíptico: Las Venus Resort Palace Hotel, tendo como anfitriã Sonja Khalecallon, persona encarnada pela cantora Cibelle em seu terceiro álbum. Assim como David Bowie já foi um dia o extraterrestre Ziggy Stardust. 


Bowie criou o enredo e universo de "The rise and fall of..." em 1972, juntamente com o grupo intitulado The Spiders from Mars. Já Cibelle vem acompanhada da banda Los Stroboscopious Luminous, um conjunto de músicos entre os quais estão Catatau do Cidadão Instigado e Pupilo do Nação Zumbi. Comparações a parte, Cibelle mostra uma preocupação em dialogar com as várias expressões artísticas e jogá-las nessa rapsódia musical, tudo é pensado e exposto para colaborar com a personagem e história assumida: dos figurinos às entrevistas, dos cenários nos shows aos videoclipes, das fotos à arte dos sites, e em que consiste essa arte? Teria consistência? 



Penso que o trabalho de Cibelle tem as urgências de ser algo moderno e vanguardista, por partir da idéia que vem desde os modernistas com sua antropofagia cultural. Relidos pelos tropicalistas e chegado aos dias de hoje nessa cultura imagética, apressada e sedenta pela estética. No álbum em questão não faltam experimentalismos misturando sons de sintetizadores, batuques, guitarras psicodélicas, pianos, distorções, vozes, instrumentos clássicos com os "feito em casa", por hora caribe, outras cabaré ou calipso. Então nada mais contemporâneo que a fragmentação de tudo e o não pertencimento a nada.


Resultado de tudo isso: músicas cheias de nuances, sons, estados e com alto potencial lisérgico. Aliado ao excesso de cores, luzes, tecidos, plantas e maquilagens que chegam às nossas retinas como uma viagem psicodélica, dilatam nossas pupilas e ouvidos. Um barato total!


Após às boas vindas dadas aos ouvintes do álbum, Underneath the mango tree (cover do tema de 007 - Contra o satânico Dr.No), entra sendo a parte praiana e caribenha desse cabaré. Falando em covers, outro é da música It's not easy to being green, cantada originalmente pelo querido sapo Caco, do Muppets Show. Man from Mars, que começa suave contando a história de um marciano encantado por Sonja, a música cresce e adquire sonoridades plurais, coros espaciais com ritmos em levada nordestina. Sapato Azul, destaque das cantadas em português com uma guitarra muito bem tocada, toque do Catatau. Destaque também para Melting the ice, Lightworks, Escute bem, The gun and the knife e Frankstein. 

2010

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26 de mar. de 2011

"Deus nos livre de Simonal!"


Há alguns semestres, estava eu procurando alguns documentários para download que retratassem a biografia de músicos. Foi aí que conheci Wilson Simonal, o cara que já foi considerado o maior cantor da MPB e que hoje quase ninguém sabe quem é. Fiquei bem intrigado com isso, afinal eu sou admirador de MPB há 12 anos e nunca tive acesso (ou interesse de buscar) o material fonográfico do cara...

Simonal veio de família pobre, ficou conhecido gradativamente na TV e foi consagrado por um show que abriu no Maracanãzinho, no qual regeu um coro de mais de 30 mil pessoas. O "pilantrão" teve um programa de TV, era amigo da seleção brasileira da década de 70, garoto propaganda da Shell e pegava geral na balada!

Seu estilo musical era algo bem diferente de tudo que existia na época. Lançou um movimento intitulado "Pilantragem", algo que sucedia a Maladragem e incrementava novos elementos. Sua música alegrava as massas, era dançante e não fazia críticas à realidade política ou social da época. Esse caráter "goodtrip" de seu som em tempos de chumbo, mesclado a uma inquietação despertada na crítica devido à sua altíssima popularidade, digamos que deu merda: muita merda!

Em um dia "badtrip", o contador de Simonal lhe comunicou que ele estava prestes a falir devido a seus inúmeros gastos e à perda do patrocínio por parte da Shell. Simonal o demitiu e o mesmo entrou com um processo trabalhista na justiça. O contador foi parar num prédio do DOPS (Delegacia de Ordem Política e Social) e foi torturado por uma noite. Tudo isso se tornou uma história muito mal explicada até hoje. Posteriormente, em sua defesa, numa atitude desesperada, Simonal afirmou na delegacia que era um "homem do governo". Aí sim ele se queimou grandão!

O fato é que Simonal foi preso e condenado a 5 anos de prisão e, após isso, a mídia se fechou completamente pra ele, as casas de show não podiam contratá-lo para não serem boicotadas por outros artistas e o cara caiu no esquecimento por ter sido rotulado como o Judas da classe artística.

Sabem como é, caros cristãos, podemos perdoar o cara que mata a própria mãe, mas um "dedo duro": jamais! Simonal morreu em 2000, no esquecimento e ainda fodido pela cirrose hepática... Alguns anos antes de morrer, o cara frequentava o show dos filhos (Simoninha e Max Castro) e se escondia atrás da cortina para que sua presença não prejudicasse a carreira dos filhos.

Quem quiser saber mais sobre essa Simonal, assista o documentário "Ninguém Sabe o Duro que dei". A primeira contribuição que deixo pro blog é a trilha desse documentário. Uma coletânea com várias músicas dançantes, cheias de suingue e com o peso da voz de Simonal. Deve-se ressaltar as diversas faixas que abordam o preconceito vivenciado e o orgulho sentido por um moleque negro e pobre que conseguiu comprar 3 carros importados. Destaque para as faixas "Nana", "Zazuera", "Carango" e "Sá Marina"!


  • Wilson Simonal - Ninguém Sabe o duro que dei (2009)

  • 1. Carango
  • 2. País Tropical
  • 3. Meu Limão, Meu Limoeiro
  • 4. Não Vem que não Tem (Nem vem que não)
  • 5. Mamãe Passou Açúcar em Mim
  • 6. Vesti Azul
  • 7. Tributo a Martin Luther King
  • 8. Está Chegando a Hora
  • 9. Balanço Zona Sul
  • 10. Roda
  • 11. Mamãe eu Quero
  • 12. Samba do Mug
  • 13. Zazueira
  • 14. Brasil eu Fico
  • 15. Nanã
  • 16. Sá Marina

Espero que gostem!

Chico Mineiro.

22 de mar. de 2011

A hora da velha guarda


Clementina de Jesus, ilustre voz da música brasileira, que carrega no seu repertório sambas, partidos alto, corimás, jongos, folclóres e pontos de trabalho, recuperando e representando a memória da conexão afro-brasileira. Timbre forte e marcante que embala eu, embala eu... menininha do Gantois. Querida por todos os bons sambistas, e não há quem não se encante com essa senhora de voz grave e temperamento doce, sereno. 
A mãe Quelé foi homenageada por muitos, Elton Medeiros escreveu o partido alto "Clementina, cadê você?" e o grande compositor da Portela Candeia fez "Não vadeia Clementina" (cantada por Clara Nunes) seguido da resposta de Clementina: "Fui feita pra vadiar..." Essa música conta com duas versões a lá clipe do fantástico, a primeira original e a segunda, uma paródia feita pelos Trapalhões e com Mussum (em breve uma postagem sobre seu lado musical) interpretando Clementina.
Sempre cercada de bons músicos, tia Clementina era uma forte referência para estes,  que antes de tudo, eram também admiradores da sua trajetória de vida. Era generosa e participava de diversas gravações. Ter o nome Clementina de Jesus agregado à alguma música era sinônimo de sucesso e respeito por todos os sambistas. 
A lista de contribuições da mãe Quelé com outros músicos é grande, por isso nada mais justo do que diversos artistas participarem da festa "Clementina e Convidados", álbum de 1979, do qual Clementina é a anfitriã e seus convidados são: Candeia, Nelson Sargento, Cristina Buarque (na música Tantas você fez) Clara Nunes (na já citada música Embala eu), Roberto Ribeiro (música Cocorocó), João Bosco (Boca de sapo), Martinho da Vila (Assim não Zambi, interessante se atentar para a atualidade dessa letra, visto o descaso e a violência que é condicionada às favelas e periferias), Dona Ivone Lara (na clássica Sonho meu), Adoniran Barbosa e Carlinhos Vergueiro (Torresmo à milanesa, olha como ela era adorável). São sambas de ótima qualidade do começo ao fim, anima até quem é ruim da cabeça ou doente do pé.

Todo o meu respeito à Clemetina de Jesus! 

Clementina e Convidados, de 1979.


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2 de mar. de 2011

Pode crê cumpadi tu é Funk até o caroço!

Lançado em 2003, o primeiro álbum de BNegão em conjunto com os Seletores de frequência inaugurava um projeto do Lobão de lançar músicos e álbuns desligados de qualquer vínculo com gravadoras. Enxugando o gelo era o primeiro dessa leva independente ofertada em bancas de jornal. Tratava-se da extinta revista Outracoisa, que lançou também bandas como Mombojó, Nervoso, Instituto, entre outras.
Recusei em chamar esse álbum do BNegão de primeiro álbum solo, pois a presença dos seletores de frequência, músicos conhecidos do rapper e vindos da cena alternativa carioca, é fundamental para o alto nível instrumental contido nas canções. Além de algumas faixas terem sido produzidas e mixadas pelo já citado, Instituto.
Desde o término do Planet Hemp, seus integrantes trataram de partir para outros projetos, se já tinhamos uma ótima banda para curtir, agora temos múltiplas: Black Alien e seu fantástico álbum Babylon by Gus, BNegão, Marcelo D2 que mandou bem até essa "procura da batida perfeita", que por sinal ele já achou e insiste em manter a fórmula no repeat. Vale a pena escutar esse primeiro álbum solo dele:



Mas vamos voltar ao Enxugando gelo e suas treze faixas avassaladoras. As músicas misturam o rap sagaz e crítico de B-Negão com sonoridades que vão do hip hop, funk, soul, samba, rock, tudo isso com a levada suingada dos Seletores de frequência. É nas músicas Nova Visão, (Funk)até o caroço, O processo e Prioridades, que esse suingue funkeado fica mais latente.
Começando como um sambinha a música V.V. (vai e volta) cresce com o rap e as interferências de outros sons, batidas eletrônicas, samples, coros. Essa "colagem" nas músicas faz com que seja impossível atribuir um único estilo musical em cada uma. O hibridismo é muito bem feito e mixado!
Até Clementina de Jesus participa nessa mistura, em um sample na música O opositor. Outra participação é a do rapper Sabotagem, na inteligente e mestiça Dorobo, que significa ladrão, gatuno em japonês.
Uma das músicas lembra os tempos de hardcore do Planet hemp, Qual é seu nome?, um diálogo enfurecido entre um policial autoritário e um cidadão oprimido. "O quê que ces tão fazendo aí parado?
Não tô fazendo nada seu guarda, só tô queimando um baseado (...) O quê que ces tão fazendo aí parado na esquina? Não tô fazendo nada seu guarda, só tô aqui esperando umas mina"

Ainda tem a clássica: A verdadeira dança do patinho, um hino contemporâneo, um tapa na cara na alienação, com muito humor B-negão tira com a cara de todo mundo.

Aproveitem as músicas e prestem a atenção nas letras!!


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PRIORIZE AS PRIORIDADES, AMIZADE
PRIORIZE AS PRIORIDADES, CUPADI
PRIORIZE AS PRIORIDADES, CAMARADAGEM
PRIORIZE O QUE FARÁ DIFERENÇA NA SUA PASSAGEM


Fui...

19 de fev. de 2011

Peixes Pássaros Pessoas

Há cerca de mês estive no Rio de Janeiro e fui conferir a exposição do artista holandês Escher, admito a minha ignorância e confesso que antes de me deparar com os seus fantásticos trabalhos gráficos, que tratam de infinito, metamorfoses e sincronismo, só conhecia aquele famoso e tão reproduzido trabalho: "mão desenhando outra mão". Não ligava seu nome às obras.
Há cerca de dois meses, em São Paulo e ainda no ano de 2010, fui conferir o show da cantora Mariana Aydar, admito a minha ignorância e confesso que só conhecia umas versões que ela tinha feito do Caetano Veloso e da Leci Brandão. Olha lá mais uma cantora nova e bonita que canta uns sambinhas. Mas isso foi antes do show e antes de ouvir o álbum Peixes Pássaros Pessoas.
E o que Escher tem a ver com Aydar?

Peixes são iguais a pássaros
Só que cantam sem ruído
Som que não vai ser ouvido
Voam águias pelas águas
Nadadeiras como asas
Que deslizam entre nuvens
Peixes, pássaros, pessoas
Nos aquários, nas gaiolas,
Pelas salas e sacadas
Afogados no destino
De morrer como decoração das casas
Nós vivemos como peixes
Com a voz que nós calamos
Com essa paz que não achamos
Nós morremos como peixes
Com amor que não vivemos
Satisfeitos? mais ou menos
Todas as iscas que mordemos
Os anzóis atravessados
Nossos gritos abafados
Essa música e a obra de Escher dialogam na questão de que somos uma coisa só, uma merda só, metamorfose, em transformação perpetuando o ciclo infinito. A matéria viva que existe, co-existe e desiste posto alguns obstáculos...estamos mais interligados do que pensamos, justamente por pertencer a mesma Terra.
A música que precede Peixes é o forró: Tá?, escrita por Pedro Luís e Roberta Sá, essa canção fala da constante destruição da natureza, dos habitat naturais para um fim imediatista e lucrativo, adivinha quem é o culpado disso, "não vou dizer seu nome porque ele desgasta, pra bom entendedor meia palavra basta, tá"
Estreitando essa relação Homem-Natureza, que parece ser uma forte temática desse álbum, tem a música Poderoso Rei, um samba digno de majestade, quase um samba-enredo elogiando o Sol.
Outras músicas que valem ser notadas são: Aqui em casa ( um balde de água fria em qualquer amigo(a) que pensou que a amizade pudesse se tornar algo mais, mas a letra é divertida e a descrição da casa lembra muito a minha e a de muitos amigo(a)s meus. Pras bandas de lá (bem animada, própria pros momentos do foda-se e dos retiros voluntários pra fugir do caos).
O álbum conta com algumas participações: Lanny Gordin, Mayra Andrade (ótima cantora cabo-verdiana, procurem a música Lua) e Zeca Pagodinho, que como disse o Chico Mineiro..esse aí tá que nem arroz de festa, fazendo participações no álbum de todo mundo.
Mas a música que mais me impressionou foi: Palavras não falam, em ritmo caribenho. latino-americano, essa letra trata da problemática de escrever, uma incrível expressão metalinguística dos trabalhos de composição e que no final das contas são só palavras...o clipe é belo!


30 de dez. de 2010

Postagem inaugural

É, mais um blog coletivo musical... Estranho escrever essa introdução em um blog embrionário e sem nenhum seguidor ou visibilidade. Sendo a primeira postagem, sem muito o que dizer antes de cortar a fita vermelha para que se iniciem os trabalhos de macumba e download, uma música me vem à mente: "Só tem eu e esse branco / Ele me mostra o que eu não sei / E me faz ver o que não tem palavras / Por mais que eu tente são só palavras / Por mais que eu me mate são só palavras" (AYDAR, 2009). Porém, isso precisa ser feito, antes que o ano se acabe!

Nada como uma citação para preencher um espaço em branco!


O nome do blog deriva de uma música do Tim Maia (versão feita pela Marisa Monte). Chocolate que antes significou erva da boa pro Tim, agora pode significar álbuns lado b, experimentais, roots, psicodélicos, raros, mas sobretudo de boa qualidade musical, pelo menos é o que tentaremos provar também por meio dos textos; outra preocupação deste blog.
"Não quero pó, não quero rapé / Não quero cocaína, me liguei no chocolate / Eu me liguei, só quero chocolate" (MAIA, 1993).



Um Bom início de 2011: mais música e menos seriedade para este blog! haha